Direitos reais sobre coisas alheias no direito imobiliário e condominial
1. Introdução: o equilíbrio entre propriedade e limitação legítima
No universo do direito imobiliário e condominial, a propriedade não é um direito absoluto, conforme disposto no art. 1.228 do Código Civil e no art. 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, que impõem a função social da propriedade. O ordenamento jurídico brasileiro prevê situações em que terceiros podem exercer faculdades sobre bens alheios, por meio dos chamados direitos reais sobre coisas alheias. Esses institutos — como a servidão, o usufruto, o uso, a habitação, a superfície, a hipoteca e o direito de laje — são fundamentais para garantir funcionalidade, segurança jurídica e equilíbrio nas relações patrimoniais.
Este artigo analisa os principais aspectos legais desses direitos, com base no Código Civil (Lei nº 10.406/2002), e suas implicações práticas para proprietários, síndicos e operadores do direito.
2. Base legal: o que diz a legislação brasileira
Os direitos reais sobre coisas alheias estão previstos no Código Civil, especialmente nos artigos 1.225 a 1.233. São institutos que limitam o exercício pleno da propriedade, mas com respaldo legal e finalidade legítima.
Art. 1.225: enumera os direitos reais, incluindo superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca, anticrese, concessão de uso especial para fins de moradia, concessão de direito real de uso e laje.
Art. 1.369 a 1.377: regulam a superfície.
Art. 1.378 a 1.389: tratam da servidão.
Art. 1.390 a 1.411: disciplinam o usufruto.
Art. 1.412 a 1.413: regulam o uso.
Art. 1.414: trata da habitação.
Art. 1.473 a 1.501: disciplinam a hipoteca.
Arts. 1.510-A a 1.510-E: regulam o direito de laje, introduzido pela Lei nº 13.465/2017.
Esses dispositivos estabelecem os requisitos, efeitos e formas de extinção de cada instituto, exigindo registro público no cartório de imóveis para sua oponibilidade contra terceiros (art. 1.227, CC). No contexto condominial, os arts. 1.331 a 1.358 regulam o condomínio edilício, onde esses direitos podem incidir sobre unidades autônomas ou áreas comuns, sujeitos à convenção de condomínio e ao regimento interno. Alterações na convenção que afetem direitos reais exigem quórum de 2/3 dos condôminos (art. 1.351, CC).
3. Servidão: funcionalidade entre imóveis
A servidão predial é um direito real que impõe uma obrigação a um imóvel (serviente) em benefício de outro (dominante), conforme art. 1.378. É comum em casos de servidão de passagem, onde um terreno encravado depende de outro para acesso à via pública.
Aspectos jurídicos relevantes:
Deve ser instituída por escritura pública e registrada no cartório de imóveis.
Pode ser voluntária (por acordo), legal (por necessidade, como em terrenos encravados, art. 1.383) ou adquirida por usucapião (art. 1.379), restrita a servidões aparentes, com posse contínua e ininterrupta por 10 ou 15 anos (arts. 1.238 e 1.242, CC).
É indivisível e acompanha o imóvel, mesmo em caso de venda (art. 1.385).
No contexto condominial, servidões podem surgir entre unidades autônomas e áreas comuns, exigindo atenção à convenção e ao registro (art. 1.336, CC).
Exemplo prático: Em um condomínio residencial, uma unidade encravada obteve judicialmente servidão de passagem sobre área comum para acesso à via pública, após negativa em assembleia. A decisão exigiu registro no cartório de imóveis e compensação financeira ao condomínio.
4. Usufruto: uso e fruição sem propriedade
O usufruto confere ao usufrutuário o direito de usar e colher os frutos de um bem, sem ser seu proprietário (art. 1.390). É amplamente utilizado em planejamento sucessório, permitindo que pais transfiram a nua-propriedade aos filhos, mantendo o usufruto vitalício.
Características jurídicas:
Pode ser instituído por escritura pública ou testamento.
Exige registro no cartório de imóveis para produzir efeitos perante terceiros (art. 1.227).
É personalíssimo, salvo disposição expressa em contrário (art. 1.393).
Extingue-se por morte, prazo determinado ou renúncia (art. 1.410).
O usufrutuário arca com despesas ordinárias (art. 1.403, CC), enquanto o nu-proprietário responde pelas extraordinárias, salvo disposição em contrário.
Em condomínios, o usufrutuário tem direito ao uso da unidade e das áreas comuns, podendo votar em assembleias, salvo disposição contrária na convenção (art. 1.335). É responsável pelo pagamento de despesas condominiais e IPTU, vinculadas ao uso efetivo do bem, sendo possível a responsabilização solidária com o nu-proprietário por dívidas propter rem.
5. Hipoteca: garantia sem desapossamento
A hipoteca é um direito real de garantia que recai sobre bens imóveis, permitindo ao credor exigir o pagamento da dívida com base no valor do bem, sem que o devedor perca sua posse (art. 1.473). Diferencia-se da alienação fiduciária (art. 1.361), mais comum em financiamentos imobiliários modernos.
Aspectos legais:
Pode ser convencional, legal ou judicial.
Exige registro no cartório de imóveis (art. 1.474).
Permite execução judicial em caso de inadimplemento (art. 1.489).
Não impede o uso do bem pelo devedor.
A impenhorabilidade do bem de família (Lei nº 8.009/1990) não se aplica a dívidas garantidas pelo imóvel hipotecado (art. 3º, inciso V).
A hipoteca pode coexistir com outros direitos reais, como o usufruto, sendo amplamente utilizada em financiamentos imobiliários.
6. Outros direitos reais relevantes: uso, habitação, superfície e laje
Uso (arts. 1.412 a 1.413): Confere o direito de perceber frutos necessários à subsistência do titular e sua família. É personalíssimo e comum em contextos familiares ou sucessórios.
Habitação (art. 1.414): Permite moradia gratuita em imóvel alheio, também personalíssimo. Ambos exigem registro e respeito à convenção condominial quando aplicados em frações.
Superfície (arts. 1.369 a 1.377): Permite ao proprietário ceder a terceiros o direito de construir ou plantar em seu terreno por tempo determinado, mantendo a propriedade do solo. É comum em empreendimentos imobiliários, como shopping centers ou condomínios horizontais, exigindo escritura pública e registro.
Laje (arts. 1.510-A a 1.510-E): Introduzido pela Lei nº 13.465/2017, permite a sobreposição de propriedades em um mesmo terreno, sendo relevante em regularizações fundiárias e moradias populares. É tratado como direito real autônomo, mas frequentemente vinculado a imóveis alheios, exigindo registro.
No âmbito condominial, esses direitos podem incidir sobre unidades ou áreas comuns, exigindo atenção à convenção e formalidades registrais.
7. Implicações práticas: cuidados e recomendações
Riscos jurídicos:
Nulidade por ausência de registro no cartório de imóveis (art. 1.227).
Conflitos entre usufrutuário e nu-proprietário, como em disputas por despesas ou uso indevido.
Execução indevida de hipoteca sem observância do devido processo legal.
Alterações em condomínios que afetem direitos reais sem o quórum de 2/3 (art. 1.351).
Boas práticas jurídicas:
Formalização por escritura pública.
Registro no cartório de imóveis.
Consulta à convenção condominial e ao regimento interno.
Assessoria jurídica especializada.
Em casos de usucapião sobre bens com direitos reais (ex.: herança com usufruto), é necessário comprovar posse mansa e pacífica, inclusive em imóveis doados com reserva de usufruto.
8. Perguntas frequentes (FAQ)
a) O usufrutuário pode alugar o imóvel?
Sim, salvo se houver cláusula proibitiva (art. 1.394). O usufruto inclui o direito de fruir economicamente o bem.
b) A servidão pode ser extinta automaticamente?
Sim, por confusão (quando os imóveis pertencem ao mesmo dono, art. 1.387), desuso prolongado ou renúncia expressa.
c) A hipoteca impede a venda do imóvel?
Não. O imóvel pode ser vendido, mas o comprador assume o ônus da hipoteca registrada.
d) O usufruto pode ser vitalício?
Sim. É comum em casos de planejamento sucessório, especialmente entre familiares.
e) A servidão precisa ser registrada?
Sim. Sem registro, não produz efeitos contra terceiros e pode ser contestada judicialmente (art. 1.227).
f) O direito de laje é aplicável em condomínios?
Sim, desde que formalizado por escritura pública e registrado, especialmente em regularizações fundiárias.
Conclusão: limites legítimos à propriedade
Os direitos reais sobre coisas alheias são instrumentos legítimos que equilibram o exercício da propriedade com necessidades sociais, econômicas e jurídicas. Servidões, usufruto, uso, habitação, superfície, hipoteca e laje são figuras essenciais no direito imobiliário e condominial, exigindo atenção à legislação e à formalização adequada.
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