Cobrança condominial: é permitido expor o devedor ou restringir áreas comuns?
1. Introdução: o dilema entre cobrança e dignidade
A inadimplência condominial é um dos principais desafios enfrentados por síndicos e administradoras. O atraso no pagamento das cotas compromete a manutenção das áreas comuns, a segurança e o funcionamento do condomínio. Diante disso, surgem medidas coercitivas que, embora populares, geram controvérsias jurídicas: pode-se expor o nome do condômino inadimplente? É lícito restringir seu acesso às áreas comuns?
Este artigo analisa os limites legais dessas práticas à luz da legislação brasileira e da jurisprudência atual, com foco na proteção da dignidade do condômino e na legalidade das sanções aplicadas.
2. Base legal: o que diz a legislação brasileira
A inadimplência condominial é regulada principalmente pelo Código Civil (Lei nº 10.406/2002):
Art. 1.335, III – permite restringir o direito de voto do condômino inadimplente.
Art. 1.336, §1º – prevê multa de até 2% e juros de 1% ao mês sobre o débito.
Art. 1.337 – autoriza multa de até cinco vezes o valor da cota para condôminos nocivos ou antissociais.
Art. 1.334, IV – exige que a convenção condominial preveja sanções aplicáveis.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V e X, protege a honra, imagem e intimidade dos cidadãos, limitando práticas que exponham o inadimplente publicamente.
A Lei nº 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família, abre exceção para dívidas condominiais (art. 3º, IV), permitindo a penhora do imóvel.
3. Limites legais: o que pode e o que não pode
Exposição pública do nome do devedor
A divulgação do nome do condômino inadimplente em murais, elevadores ou redes sociais é considerada ilegal, podendo configurar dano moral. A divulgação só é permitida em documentos internos e restritos, como balancetes acessíveis aos condôminos.
Restrição ao uso das áreas comuns
O condômino inadimplente não pode ser impedido de usar áreas comuns, como piscina, academia ou salão de festas, salvo se houver cobrança específica para uso exclusivo e previsão expressa na convenção.
Medidas legais permitidas
Cobrança judicial com penhora do imóvel.
Multas e juros conforme previsão legal.
Impedimento de voto em assembleias.
Protesto da dívida e negativação em órgãos de proteção ao crédito.
4. Jurisprudência: decisões que moldam a prática
O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.699.022/SP, decidiu que é ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns, mesmo que a convenção ou regulamento interno preveja essa restrição.
A Quarta Turma entendeu que tal medida configura abuso de direito e afronta à dignidade da pessoa humana, pois o direito ao uso das áreas comuns decorre da fração ideal da propriedade, e não da adimplência. O acórdão destaca que o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores.
No Recurso Especial nº 1.401.815/ES, a Terceira Turma do STJ reafirmou que não se pode restringir o uso de serviços essenciais, como elevadores, mesmo em caso de inadimplência. A ministra Nancy Andrighi destacou que a autonomia privada do condomínio é limitada por normas públicas cogentes e pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Segundo o voto da relatora, a substituição de meios expressamente previstos em lei pela restrição ao condômino inadimplente quanto à utilização dos elevadores afronta o direito de propriedade e sua função social.
Por fim, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no processo nº 2016.03.1.013692-2, decidiu que moradores inadimplentes não podem ser impedidos de usar áreas de lazer, como piscina e churrasqueira. A decisão reforça que a inadimplência deve ser combatida por meios legais, e não por medidas vexatórias. O entendimento firmado foi de que a restrição ao uso de áreas comuns por inadimplência é ilegal e fere o direito de propriedade.
5. Implicações práticas: riscos e boas práticas
Riscos jurídicos
Ações por danos morais.
Nulidade de cláusulas abusivas.
Responsabilidade civil do condomínio e do síndico.
Boas práticas jurídicas
Cobrança judicial estruturada.
Negativação em órgãos de crédito.
Acordos extrajudiciais com segurança jurídica.
Transparência nos balancetes e assembleias.
6. Perguntas frequentes
1. O condomínio pode publicar a lista de inadimplentes no mural? Não. A exposição pública é ilegal. A divulgação deve ser restrita e com finalidade administrativa.
2. O condômino inadimplente pode ser impedido de usar a piscina ou academia? Não. Essas áreas são de uso comum e pertencem à fração ideal do imóvel.
3. Pode-se impedir o inadimplente de alugar o salão de festas? Sim, se houver cobrança específica e previsão na convenção.
4. O síndico pode negativar o nome do devedor? Sim. A dívida condominial pode ser protestada e registrada em órgãos de proteção ao crédito.
5. O imóvel pode ser penhorado por dívida condominial? Sim. A Lei nº 8.009/1990 permite a penhora do bem de família para pagamento de taxas condominiais.
Conclusão: equilíbrio entre cobrança e legalidade
A inadimplência condominial exige medidas eficazes, mas dentro dos limites legais. A exposição pública e a restrição ao uso das áreas comuns são práticas vedadas pela jurisprudência e pela legislação vigente. O caminho jurídico adequado passa pela cobrança judicial, acordos extrajudiciais e respeito à dignidade do condômino.
Síndicos e administradoras devem atuar com responsabilidade, e o advogado especializado é essencial para garantir segurança jurídica e prevenir litígios.
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Referências:
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.699.022/SP. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 28 maio 2019. Disponível em: <https://storage.googleapis.com/jus-jurisprudencia/STJ/attachments/STJ_RESP_1699022_0a150.pdf>.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.401.815/ES. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em 3 dez. 2013. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2016/2016-10-30_08-00_Condominio-nao-pode-utilizar-medidas-nao-pecuniarias-para-punir-condomino-devedor.aspx>.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 2016.03.1.013692
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1.688.721/DF. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Terceira Turma. Julgado em 20 fev. 2018. DJe 26 fev. 2018.

