Uso exclusivo de áreas comuns em condomínios: entendendo os limites legais

O uso exclusivo de áreas comuns em condomínios é exceção à regra do uso coletivo e exige previsão expressa na convenção ou autorização unânime em assembleia. O STJ tem decidido que a mera tolerância não gera posse nem direito adquirido, afastando a usucapião, mas admite a validade quando há autorização formal. A formalização adequada é essencial para evitar litígios, preservar a convivência e assegurar a valorização do patrimônio condominial.

1. Introdução ao conceito de áreas comuns em condomínios e sua importância

A vida em condomínio edilício, seja residencial ou comercial, implica na coexistência de unidades autônomas (privativas) e de áreas comuns. As áreas comuns são espaços, instalações e equipamentos que servem a todas as unidades ou a uma parte delas, sendo essenciais para a estrutura, segurança, funcionamento e fruição do condomínio.

Conforme o Código Civil, as áreas comuns incluem, mas não se limitam a, o solo, a estrutura do prédio, o telhado, as instalações de água, luz, gás e esgoto, elevadores, escadarias, corredores, salões de festa, piscinas, e outras dependências destinadas ao uso coletivo ou ao bem-estar dos condôminos (Art. 1.331, § 2º). 

A gestão e o uso adequado dessas áreas são fundamentais para a manutenção da harmonia, da segurança e, consequentemente, da valorização do patrimônio de todos os condôminos.

2. Análise da legislação aplicável

A regulamentação dos condomínios no Brasil é pautada principalmente por duas leis: a Lei nº 4.591/1964 (conhecida como Lei de Condomínios) e o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002).

2.1. Lei nº 4.591/1964 (Lei de Condomínios)

Embora muitos de seus dispositivos tenham sido absorvidos ou alterados pelo Código Civil de 2002, a Lei nº 4.591/1964 ainda possui relevância. Em seu Artigo 3º, estabelece que "as partes e coisas comuns do condomínio não podem ser divididas, nem alienadas separadamente da propriedade exclusiva, nem dar direito a posse ou uso exclusivo a qualquer condômino, salvo convenção em contrário". Este artigo já trazia a regra da indivisibilidade e da impossibilidade de uso exclusivo, ressalvando a possibilidade de disposição na convenção.

2.2. Código Civil (Lei nº 10.406/2002)

O Código Civil aprofundou e consolidou o regime jurídico dos condomínios.

  • O Artigo 1.335, inciso II, assegura aos condôminos o direito de "usar das partes comuns, conforme a sua destinação, contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores". Este é o princípio basilar: o uso coletivo e a proibição de exclusão.

  • O Artigo 1.339 reforça a indivisibilidade, afirmando que "os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva".

  • O Artigo 1.340 é crucial ao dispor que "as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns condôminos, incumbem a quem delas se serve". Isso significa que, mesmo que o uso exclusivo seja regularizado, a responsabilidade pelas despesas de manutenção e conservação recai sobre o(s) usuário(s) exclusivo(s).

3. Limites legais para o uso exclusivo de áreas comuns por condôminos

O uso exclusivo de uma área comum por um condômino é uma exceção à regra geral do uso coletivo. Para que essa exceção seja válida e legal, ela deve seguir um dos seguintes caminhos,

  • Previsão expressa na Convenção do condomínio: É o meio mais comum e seguro. A Convenção deve detalhar quais áreas comuns podem ter uso exclusivo, por quais unidades e sob quais condições. Uma convenção bem elaborada é a base para evitar litígios.

  • Autorização por Assembleia Geral: Na ausência de previsão na Convenção, a assembleia pode autorizar o uso exclusivo. Contudo, essa alteração é complexa. O Artigo 1.351 do Código Civil estabelece que a "alteração da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende de aprovação pela unanimidade dos condôminos". Embora o uso exclusivo de uma área comum nem sempre mude a "destinação do edifício", a jurisprudência majoritária entende que, por ser uma alteração substancial que afeta o direito de todos, exige-se quórum qualificado, sendo a unanimidade dos condôminos o entendimento mais seguro, especialmente se implicar alteração da convenção ou do projeto original.

É importante ressaltar que, mesmo com autorização formal, o uso exclusivo não pode prejudicar a solidez, a segurança ou o sossego dos demais condôminos, conforme o Artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil.

4. Jurisprudência atualizada sobre o tema

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os tribunais estaduais têm consolidado entendimentos importantes sobre o uso exclusivo de áreas comuns, visando pacificar a questão e garantir a segurança jurídica.

4.1. Mera tolerância não gera posse nem direito adquirido

Um dos princípios reiteradamente afirmados pelo STJ é que o uso prolongado de área comum com a mera tolerância dos demais condôminos ou da administração não gera posse nem direito adquirido, e tampouco pode ser objeto de usucapião. A natureza das áreas comuns, que são indivisíveis e de propriedade de todos em fração ideal, impede a posse exclusiva com animus domini (intenção de ser dono) por parte de um único condômino.

Um exemplo claro desse entendimento pode ser visto no Recurso Especial nº 1.050.401/SP, onde o STJ negou o pedido de usucapião de área comum, reforçando que "a posse exercida pelo condômino sobre as partes comuns do condomínio não é ad usucapionem, pois não possui ele o ânimo de dono, mas de compossuidor" (BRASIL, STJ, REsp 1050401/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009).

Esse entendimento foi reiterado em diversas oportunidades, como no recente AgInt no AREsp 2.302.261/RS, julgado em 11/03/2024 pela Quarta Turma do STJ, que manteve a tese de que atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse apta a gerar direitos possessórios. 

Da mesma forma, o AgInt no AREsp 2.062.977/SP (20/11/2023) e o REsp 1.954.918/ES (12/04/2022), este último inclusive em caso envolvendo vaga de garagem em condomínio, reforçam a impossibilidade de usucapião de área comum, por ausência de animus domini e pela natureza da ocupação ser de mera permissão.

4.2. Validade da autorização formal

Por outro lado, o STJ também reconhece a validade da ocupação de área comum por um condômino desde que haja autorização formal, seja pela convenção ou por assembleia, e que essa situação tenha se consolidado ao longo do tempo. Um exemplo é a decisão recente mencionada em veículos de comunicação jurídicos, como o caso abordado em 06 de junho de 2025, em que o STJ reconheceu a validade da ocupação de área comum por um condômino, desde que autorizada por assembleia e consolidada ao longo do tempo, aplicando o princípio da boa-fé objetiva. Este julgado reforça a necessidade e a eficácia da formalização, em contraste com a mera tolerância.

5. Implicações práticas do uso exclusivo de áreas comuns

O uso exclusivo de áreas comuns, seja ele regular ou irregular, pode gerar diversas implicações práticas:

  • Segurança: Alterações em áreas comuns para uso exclusivo (ex: fechamento de varandas, expansão de unidades) podem afetar a estrutura do edifício, as rotas de fuga ou os sistemas de segurança, comprometendo a incolumidade dos moradores.

  • Higiene e Manutenção: O condômino que faz uso exclusivo é responsável pela manutenção e higiene da área (Art. 1.340 CC). A falta de cuidado pode gerar problemas sanitários ou estéticos que afetam o conjunto.

  • Direitos dos demais condôminos: O uso privativo não pode, sob hipótese alguma, prejudicar o direito dos demais condôminos ao uso das demais áreas comuns ou ao sossego, salubridade e segurança (Art. 1.336, IV, CC). A percepção de que um condômino se apropria de um bem coletivo sem respaldo legal pode gerar desavenças e desvalorizar as demais unidades.

  • Implicações legais: Em caso de uso irregular, o condomínio pode notificar o condômino, aplicar multas previstas na Convenção e, se necessário, ingressar com ação judicial para a desocupação ou demolição do que foi construído.

6. Perguntas frequentes

Para auxiliar na compreensão do tema, abordamos algumas das perguntas mais comuns:

a) Quais são os requisitos legais para que um condômino possa usar exclusivamente uma área comum?

É necessária previsão expressa na convenção do condomínio ou autorização unânime em assembleia geral, conforme o Artigo 1.351 do Código Civil, especialmente se a alteração implicar em mudança da destinação da área. Além disso, o condômino que a utiliza deve arcar com as despesas de manutenção e conservação dessa área, conforme o Artigo 1.340 do Código Civil.

b) A assembleia pode autorizar o uso exclusivo de áreas comuns sem a unanimidade dos votos?

Para que uma área comum seja destinada ao uso exclusivo de um condômino, especialmente se isso implicar alteração da convenção ou da destinação da área, o entendimento predominante é que se faz necessária a aprovação pela unanimidade dos condôminos, conforme o Artigo 1.351 do Código Civil. 

Quóruns menores podem ser aceitos apenas em casos de pequenas alterações que não afetem a destinação ou o direito de uso dos demais, ou se a própria convenção já prever tal possibilidade com quórum específico. No entanto, a unanimidade confere maior segurança jurídica.

c) Quais são as consequências jurídicas para um condômino que usa uma área comum de forma exclusiva sem autorização?

O condômino pode ser obrigado a desocupar a área, a demolir benfeitorias indevidas, arcar com multas previstas na convenção e no regimento interno, e responder por eventuais danos causados (Art. 1.336, IV, CC). 

Além disso, o condomínio pode ajuizar ação judicial para exigir a regularização ou a cessação do uso irregular.

d) Como devem ser resolvidos os conflitos decorrentes do uso de áreas comuns entre condôminos?

Os conflitos devem ser resolvidos preferencialmente por meio de diálogo, mediação (com a intervenção do síndico ou de um comitê de mediação), e pela assembleia geral. Se não houver acordo, pode-se recorrer ao Poder Judiciário para fazer valer os direitos coletivos.

e) Quais são as melhores práticas para regularizar situações de uso exclusivo de áreas comuns já existentes?

A melhor prática é convocar uma assembleia geral extraordinária com pauta específica para deliberar sobre a regularização da situação. É fundamental buscar a aprovação unânime dos condôminos e, se necessário, alterar a convenção do condomínio para incluir a previsão do uso exclusivo, registrando essa alteração no Cartório de Registro de Imóveis para dar publicidade e validade.

Conclusão

O uso exclusivo de áreas comuns em condomínios é uma questão delicada que exige estrita observância da legislação vigente e profundo respeito aos direitos de todos os condôminos. A formalização adequada, seja por meio da convenção condominial ou de deliberação unânime em assembleia, é o caminho para evitar litígios e garantir a segurança jurídica. 

O Superior Tribunal de Justiça tem sido claro ao não reconhecer direitos sobre o uso exclusivo baseado em mera tolerância, reforçando a necessidade da formalidade legal. 

Compreender e aplicar esses limites não é apenas uma questão de cumprimento da lei, mas de promoção da harmonia, da justiça e da boa convivência em um dos ambientes mais compartilhados da vida moderna.

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Referências:

  • BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Disponível em: www.planalto.gov.br

  • BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br

  • BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.050.401/SP. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 16/12/2008. DJe 03/02/2009.

  • CONJUR. Ocupação de área comum de condomínio é válida se for aprovada por assembleia. Notícia. Publicado em 06 jun. 2025. Disponível em: www.conjur.com.br

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